PROJECTO


A CABEÇA MUDA é um espectáculo a partir do texto de Cláudia Lucas Chéu, numa encenação de Rui Neto com produção  da LAMA associação. Financiado pela Direcção Geral de Cultura do Algarve e pela Fundação GDA. O processo de criação teve a duração aproximada de dois meses, com ensaios no espaço da Escola de Mulheres e com uma residência artística em Ponte-de-Sôr, numa parceria com o Teatro da Terra.

CABEÇA MUDA | linhas de orientação

A cabeça muda de ideias, de pontos de vista. 'Muda', do verbo 'mudar' ou do verbo 'silênciar'? Um silêncio que é vazio ou paralisante? Ou antes um movimento resultante   das mudanças intrincadas, inexplicáveis e submersas que foram sendo feitas? Um filho raptor que torna o lar num cativeiro. Uma mãe que amou demasiado um filho. Interessa encontrar um culpado? Não. A origem da tragédia não é o motor deste texto, mas antes a metamorfose a que assistimos, a cada momento, na invenção de novas formas de relação e sobrevivência. Do ponto de vista em que me posiciono, recuso a moralidade e retrato social decalcado das tragédias contemporâneas que encontramos nos telejornais.  Há uma história, mas o importante não é a narrativa mas antes a relação que se desvenda, intrigante, complexa e contraditória. Como se nos fosse permitido olhar para a intimidade dos outros por uma janela, sem filtros nem julgamentos, como quem olha a paisagem.


CABEÇA MUDA | nota de encenação

Encenar é um exercício de extensão do meu trabalho como actor. É daí que nasce o impulso criativo que me faz escolher outro sitio para estar no teatro, sempre com o foco nos actores e no seu processo de criação. Eles, os actores, são a razão e a energia pulsante que me faz querer mergulhar num projecto, dirigi-los e potenciar as suas capacidades, porque é neles que me revejo e tornam-se no meu veículo para chegar a cena. Dirigi-los e encontrar caminhos e soluções no seu trabalho é tão vital como se eu próprio estivesse em cena, e é tudo o que me interessa mais profundamente.

O convite para encenar o texto de Cláudia Lucas Chéu, A Cabeça Muda, vai ao encontro do trabalho que tenho desenvolvido. Reconheço neste texto um pulsão com a qual me identifico, e consigo encontrar o meu ponto de vista enquanto criador, na proposta textual. Em simultâneo, reconheço as possibilidades que representar este texto representa para os actores, seja pala exposição e disponibilidade que obriga, seja pelo desafio que representa para cada um dos actores assumir a interpretação pretendida. O que mais me excita é o risco inerente - para qualquer um dos actores, têm mais a perder do que a ganhar – e é essa coragem que me faz querer viver ao lado deles esta experiência. Nos tempos que correm, a segurança e a certeza são estéreis. O teatro e as artes não se compadecem com o ‘confortável’ e injeções de botox. A luta, não necessariamente armada, é o ponto onde devemos estar. Não é questão de estarmos contra ou a favor, mas antes de colocar o nosso corpo e o nosso discurso activo face ao mundo que nos rodeia. Não podemos ser indiferentes ao estado das coisas, e se não faz sentido pegar numa espingarda, peguemos nas palavras e nas ideias e lutemos para que o teatro seja um local de confronto e não uma cama para dormitar depois de jantar.

Coragem. Sobrevivência. São duas palavras que me guiam nas minhas criações. Podem ser sinónimos do trabalho que pretendo também fazer com esta encenação de A Cabeça Muda. Conto com a experiência de uma actriz como a Isabel Medina, para me dar a maturidade e profundidade nesta criação; com a vontade e energia de uma jovem recém licenciada como a Ana Lopes Gomes; e com a força e entrega de um actor, no qual me revejo, como o João de Brito; É esta a equipa que irá aprofundar o universo textual e imagético de Claúdia Lucas Chéu, que se espera angustiante, violento, desconcertante, dramático e poético.
 Rui Neto


A CABEÇA MUDA | nota da autora

A Cabeça Muda é uma proposta de reflexão acerca do poder, da perversão dos valores humanos, nomeadamente, familiares. Este texto foi pensado a partir de histórias reais acerca de sequestros e posse em cativeiro de pessoas, pelo período de vários anos, nomeadamente raparigas, sendo essa captura executada por homens adultos; e transformado numa tragédia familiar entre filho e mãe. Klaus – um homem com cerca de trinta anos – , vive com a mãe e mantêm-na prisioneira  em casa, onde a subalimenta e agride. Inicialmente o texto aparenta uma relação clarificada, onde Klaus domina e mãe é a vítima; existe, no entanto, uma permanente tensão sexual. A crueldade e a perversão do filho é ilimitada; testando a mãe até aos limites da sanidade. A acção passa-se com normalidade, como se Klaus e Mutti, fossem um casal com acentuada diferença de idades. A existência de Rapariga Prenhe funciona como um espectro: memória, perturbação e revelação. A Cabeça Muda tenta ser o retrato realista e brutal das sociopatias contemporâneas; a posse e a vontade de libertação são os movimentos contrários que estabelecem o conflito.
©Cláudia Lucas Chéu